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Divisão do Ministério do Trabalho provoca confusão administrativa

Tarefas antes concentradas em uma só pasta estão espalhadas, com visão pró-empresarial. "Homem forte" do setor foi relator da "reforma" trabalhista. Medida é questionada na Justiça

“A Superintendência ainda está na atividade”, informa a atendente de uma das Superintendências Regionais do extinto Ministério do Trabalho, as antigas DRTs, nome pelo qual ainda são chamadas pela população. A Superintendência de São Paulo, por exemplo, ainda tem na fachada a inscrição “Delegacia Regional”.
Todas as que foram consultadas pela reportagem informam que o funcionamento é normal, mas as mudanças administrativas do novo governo, explicitadas na Medida Provisória 870, espalharam as atribuições antes reunidas na pasta do Trabalho e trouxeram um cenário de indefinição.
Uma das funções de destaque, a de inspeção do trabalho, por exemplo, ficou sob responsabilidade do “super” Ministério da Economia. Na semana passada, o secretário de Inspeção, Claudio Secchin, foi exonerado – em seu lugar, está um interino, que deverá permanecer até o dia 31.
As alterações causam apreensão no Sinait, o sindicato nacional dos auditores-fiscais. “Continuamos a lutar pela unidade da fiscalização e temos a expectativa de o governo compreender a importância disso em função da experiência fiscalizatória acumulada em quase 130 anos”, diz o presidente da entidade, Carlos Silva.
O Sinait destaca que, pela Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), essa área deverá ser formada por servidores “cujo estatuto e condições de serviços lhes assegurem a estabilidade nos seus empregos e os tornem independentes de qualquer mudança de governo ou de qualquer influência externa indevida”. Um dos receios do mundo do trabalho é justamente que o governo promova mudanças pró-capital em normas de inspeção.
O analista político Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diretor licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), observa que o ex-deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) tornou-se “homem forte do governo Bolsonaro no mundo do trabalho” justamente para aprofundar a “reforma” trabalhista e comandar mudanças em normas regulamentadoras, entre outras medidas.
Marinho foi justamente o relator da “reforma” na Câmara, que se tornou a Lei 13.467. Sem conseguir a reeleição em 2018, ganhou o cargo de secretário especial de Previdência e Trabalho no Ministério da Economia. Entre suas atribuições, estão cuidar da fiscalização do trabalho e de políticas de segurança e saúde.
Subordinada à área do ex-deputado, haverá uma Secretaria do Trabalho, que por sua vez terá duas subsecretarias, uma das quais de inspeção. Para Toninho, assim como outras, uma pasta sem “visão social”, seguindo a lógica do atual governo. A própria extinção do Ministério do Trabalho tem um aspecto simbólico, na medida em que deixa de reconhecer o desequilíbrio nas relações capital-trabalho. O analista classifica de “esquartejamento” o que ocorreu em uma das pastas mais antigas em atividade – foi criada em 1930.
Ainda na Economia, a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade tem como titular o economista Carlos Alexandre da Costa. Cabe a ele a função de formular políticas públicas de emprego e renda. Ex-diretor do BNDES, Costa atuou na equipe de transição como assessor econômico de Bolsonaro. É mais um a reforçar a visão “liberal” do governo.
O funcionamento de cada atividade ainda dependerá de mudanças formais em cada pasta. Segundo a assessoria do antigo Ministério do Trabalho, todos os cargos comissionados serão extintos. E a composição dos conselhos terá de ser totalmente alterada.
Caso do Conselho Deliberativo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, agora também sob comando do “super” Ministério da Economia – leia-se Paulo Guedes, nome do setor financeiro e entusiasta da “liberalização” sem limites, o que pode ser entendido como desregulamentação do mundo do trabalho.
O sindicalismo como “inimigo”
Para quem quer entender o funcionamento dessa área daqui em diante, o analista do Diap propõe um resumo: basta consultar o documento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 101 propostas para a “modernização” trabalhista. “Ali é o roteiro. O governo Bolsonaro retomou a agenda da CNI.”
Os ministérios da Cidadania e da Mulher, Família e Direitos Humanos ficarão com outras tarefas antes concentradas no Trabalho. Uma delas diz respeito ao combate ao trabalho escravo, que desde sempre foi alvo de reivindicações do setor empresarial pela “flexibilização” do conceito adotado pela fiscalização.
Já a função de registro de entidades sindicais caberá ao Ministério da Justiça, de Sergio Moro, o que para o diretor licenciado do Diap permite supor uma fiscalização intensa e até perseguições. Para ele, a lógica do governo será a de tratar o movimento sindical como inimigo. “E o único segmento que pode criar algum tipo de obstáculo a essa onda avassaladora em bases liberais.”
“A diluição das competências do Ministério do Trabalho entre várias pastas e secretarias resultará numa grave perda de relevância dos temas da área no contexto governamental, agravando, pelo déficit de coordenação, problemas como falta de recursos, coerência e efetividade”, aponta ainda o analista, em texto.
“O sucateamento afetará gravemente as estruturas regionais, que passarão a sofrer a ingerência de vários órgãos, sem uma política e direção unificadas. Tudo isso facilitará a ação do governo no sentido de tornar os temas da área trabalho cada vez mais distantes dos interesses dos trabalhadores e cada vez mais submetidos às orientações econômicas do governo e aos interesses do empresariado.”
Contra a extinção
As bancadas do PT no Senado e na Câmara informaram ter recorrido à Procuradoria-Geral da República para que suste a extinção do Ministério do Trabalho. Para os atuais líderes, senador Paulo Rocha (PA) e deputado Paulo Pimenta (RS), a medida, que chamam de “erro histórico”, “contraria o interesse público e trará graves prejuízos a direitos sociais e coletivos”.
No dia 2, a Federação Nacional dos Advogados já entrou com ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF), também questionando a extinção da pasta, solicitando uma decisão liminar (provisória). O ministro Ricardo Lewandowski foi sorteado relator da ação, mas como o Judiciário está em recesso o pedido deverá ser analisado pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.

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