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Nos 70 anos da Declaração Universal, direitos humanos sofrem ‘brutal ataque’
Ex-ministro Paulo Vannuchi defende unidade por "patamares mínimos" contra retrocessos
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos prestes a completar 70 anos, essas políticas sofrem “brutal ataque” no Brasil, avaliou o ex-ministro Paulo Vannuchi, também ex-integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que ao lado da atual representante do Brasil na CIDH, Flávia Piovesan, debateu o momento político durante evento promovido pela Associação dos Advogados de São Paulo, sexta-feira (20). “A história dos direitos humanos é marcada por luzes e sombras”, disse Flávia.
Por esse aspecto, há um período de sombra no país. Vannuchi observou que os governos de PT e PSDB, apesar de “antípodas políticos”, tiveram certa continuidade em políticas de direitos humanos. E lamentou que “canetadas” recentes venham destruindo duas décadas de acumulação nesse campo.
Membro da Comissão por quatro anos, até 2017, ele citou as origens da CIDH, criada no contexto da Guerra Fria, em 1959, e lembrou que durante sua permanência buscou se dedicar aos chamados “desc”, sigla para direitos econômicos, sociais e culturais, que enfrentaram resistência de países como os Estados Unidos, por exemplo. Essa resistência ocorreu mesmo no Brasil, observou, dando o exemplo de um direito básico, a alimentação, que alguns não viam, não veem, como assunto da área.
“Sem comida ninguém consegue lutar por nenhum outro direito humano”, afirmou o ex-ministro, que também fez referência à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com “um frei de 80 anos e um Prêmio Nobel deixados ao relento, quando outro preso, Eduardo Cunha, recebe quem ele quer, na hora que ele quer”. Ele fazia menção ao fato de Leonardo Boff e Adolfo Pérez Esquivel terem sido barrados na entrada da Polícia Federal quando tentavam visitar Lula.
“Precisamos construir diálogo e alguma unidade de ação sobre essas desavenças”, defendeu Vannuchi, lembrando ainda dos 30 anos da Constituição brasileira, promulgada em outubro de 1988. “Não pode haver tribunal se chocando com a Constituição, quando ela é clara. Há necessidade de defesa da Constituição, defesa das eleições, e contra a intolerância, ódio que é disseminado no Brasil por poderosos órgãos de mídia. Ou nos unimos por esses patamares mínimos ou estamos correndo riscos graves.”
Políticas públicas
Sucessora de Vannuchi na CIDH, Flávia também manifestou preocupação com o “fortalecimento do discurso do ódio”. “Há no mundo um crescente endosso a alternativas não democráticas”, afirmou.
Mas ela também destacou a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos “na desestabilização de ditaduras no Cone Sul e na proteção dos mais vulneráveis”. “Devemos a Lei Maria da Penha à Comissão Interamericana. Muitas políticas públicas importantes decorreram do Sistema Interamericano”, exemplificou. Flávia afirmou ainda que é preciso “ampliar a universalidade” dos princípios de direitos humanos na região e aprimorar a implementação de decisões. “Temos de avançar na tríade direitos humanos, democracia e Estado de direito.”
Ambos lembraram que é preciso aprofundar questões relacionadas à memória, para evitar a contínua violação de direitos humanos. Na Universidade de Buenos Aires, por exemplo, o tema é ensinado há décadas, enquanto na Alemanha visitar campos de concentração é base do currículo.
No Brasil, o Ministério Público Federal tem um grupo de trabalho da chamada Justiça de Transição, tentando promover ações de reparação relativas a violações praticadas por agentes do Estado durante a ditadura. E já existem decisões da Corte Interamericana contra o Brasil. Vannuchi lembrou que o também ex-ministro Nelson Jobim chegou a considerar decisões da Corte “irrelevantes” para o país.
“Estamos vivendo um brutal processo de desconstrução. Vamos levar alguns anos para retomar uma estaca zero de alguns anos atrás. O PNDH3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), tantos anos depois, é ainda um programa a se cumprir”, afirmou Vannuchi.
Fonte: www.cut.org.br